OS TROPICOS ÚMIDOS BRASILEIROS, PATRIMÔNIO ECOLÓGICO UNIVERSAL. REPENSAR É PRECISO.
INTRODUÇÃO
Luiz Ferreira da Silva e Manoel Malheiros Tourinho possuem uma identidade muito forte com a Amazônia. Ambos foram companheiros da mesma Instituição, CEPLAC. Um nas ciências do solo e, o outro, na Sociologia Rural. Depois de aposentados, nunca vestiram a carapuça de inativo e continuaram "sinapseando", mesmo ultrapassada a faixa dos "oitentrinos. Acreditam que têm cacife para falar da Amazônia. Luiz, realizou estudos de solos em Rondônia, coordenou a implantação de polos cacaueiros e assessorou a FAO/Universidade da Carolina do Norte na formatação de um projeto de manejo de solos tropicais. Tourinho, além de ter nascido nas barrancas do rio madeira, implantou a Universidade Rural da Amazônia e continua com projetos em zonas ribeirinhas. Praticamente, ao mesmo tempo, tiveram os olhos voltados à Amazônia, sobretudo imbuídos do desejo conservacionista e de contribuir para debelar a fome de tantos irmãos abandonados.
Dessa forma, com uma visão até então não contemplada, sui generis, pois, escreveram os artigos a seguir, para reflexão dos que, por acaso, os lerem e estejam antenados com os pés-de paus do nosso Brasil.
(I) AMAZONIA PEDE SOMBRA
Manoel M. Tourinho; Manoel Moacir Macedo; Gutemberg Armando Guerra.
A Revolução Industrial, iniciada a partir da segunda metade do Século XVIII (1760 a 1820), ensejou uma transformação radical nas estruturas sociais, políticas e tecnológicas, no nível global e com amplo impacto na vida humana. Nesses duzentos e sessenta e quatro anos, a revolução industrial garantiu o processo de formação do capitalismo nas suas diferentes vertentes: industrial, agrária e comercial.
O seu epicentro, foi inicialmente, na Grã Bretanha, a seguir os Estados Unidos, e, mais tarde na Alemanha, Rússia; e hoje a China. Todas disseminaram e disseminam os seus modelos transformadores industriais na via dos “pacotes tecnológicos”, amplamente apoiados pelas agências de cooperação nacional ou financiadores internacionais como o Banco Mundial-WB, O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o FundoMonetário Internacional - FMI.
No caso brasileiro, exerceu papel relevante as agências nacionais, como Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, e a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP. Elas viabilizaram, em territórios nacionais o emprego desses pacotes, sem questionamento de suas externalidades.
Destaque anotado do alcance da revolução industrial na produção agrícola foram os famosos “pacotes tecnológicos” alcunhados de “Revolução Verde”, desenvolvido e liderado pelo Agrônomo Norman Borlaug (1914-2004). Este cientista americano, julgava possível erradicar a fome mundial, pelo uso de sistemas de produção com sementes genéticas com potência produtiva, a exemplo do arroz, milho, sorgo, por exemplo cultivadas em qualquer latitude, empregando insumos modernos, tais como sementes melhoradas, irrigação, fertilização, defensivos químicos e máquinas agrícolas. No dizer de Rachel Carson, na obra Primavera Silenciosa (1967) o “famélico” se não morresse por falta de comida, morria dos venenos químicos indiscriminadamente aplicados.
Organizações governamentais de desenvolvimento, mundo a fora, adotaram a receita de Borlaug, como o paradigma do aumento linear da produção e da produtividade de lavouras e criações. O Brasil não ficou indiferente, acolhido nos currículos das escolas de agronomia, nas estruturas de crédito e fomento, na prática da extensão rural, e nos portifólios das cooperativas de produtores rurais. Na atualidade essa é a lógica em uso na de produção agrícola nacional.
No caso específico do bioma Amazônia, onde existe terra disponível e a preço baixo, mas pobre em elementos químicos Apenas 5 % dos solos são avaliados como naturalmente ricos, em uma superfície de aproximadamente 5,5 milhões de quilômetros quadrados. A produção nesses solos somente é viável no modelo produtivista, sob custos pesados de insumos químicos e sintéticos. A Amazônia, pela condição de ‘fronteira aberta’, para os apologistas da “Revolução Verde” pode ser o ‘ideário de Norman Borlaug’.
Atualmente, o estratégico bioma, localizado na maior região brasileira, empurra o aceleramento das mudanças climáticas globais. Desmatamento, terras degradadas, urbanização acelerada, uso da terra incompatível com uma agenda de mitigação das mudanças climáticas, contaminações generalizadas dos corpos d’água subterrâneos e águas de superfícies como rios, lagos e igarapés. Garimpos ilegais, são adicionados às consequências dos pacotes tecnológicos estimuladores da crise climática e humanitária dos povos originários.
É importante acentuar que a fase da Amazônia extrativista e florestal passou e nada se aprendeu com ela. Mas se observarmos a região com lentes dos postulados epistemológicos e metodológicos kantianos, aguçando razão e os sentidos, é possível perceber que a Amazônia é terra de uso com a sombra da mata. Sombra é o uso da terra que deu certo. Nada de “pelação rasa” da mata de cobertura. Nenhum cultivo é tão emblemático nessa questão do que o Cacau. Cacau a sombra da floresta é cultivo ecológico perfeito, climaticamente nascido assim, e quando voltou às origens trouxe a “marca da sombra” derivado da sua origem amazônica. O açaí é outro cultivo bem amazônico que tem a “marca”. Inventos de domesticação que levam cultivares a pleno sol não passam de apanágios do fracasso global, sistêmico, integral e integrado.
A questão central do uso da terra na Amazônia como fator favorável- atenuante das mudanças climáticas, deve ter com objetivos: (1) Praticar a ocupação da terra e o solo baixo à sombra da mata. (2) Mudar os membros da equação da produção, de produção/produtividade para qualidade/quantidade, ou seja, minimização da grandeza. A teoria do “small is beautifull” de Schumacher é mais apropriada. (3) Nenhum negócio agrícola e/ou criatório deve exceder a cem (100) hectares. Não há necessidade de reserva legal florestal; todo uso se fará baixo a sombra. (4) A extensão rural, o ensino agrícola e a pesquisa, na Amazônia, devem ter as suas orientações ontológicas, propositivas ao desenvolvimento das transferências do conhecimento e geração do conhecimento direcionados integralmente à prática do uso da terra, baixo a sombra florestal já existente.
Ao final, caso a soja e a pecuária sejam adaptadas “bem baixo à floresta”, sejam” benvindas; caso contrário, aqui não será o seu lugar. (31.01.2024)
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(II) O PÉ-DE- PAU EM PRIMEIRO LUGAR NA AMAZÔNIA
Luiz Ferreira da Silva
Quando
se fala na Amazônia, nos enche os olhos a floresta, a mata, as árvores
exuberantes, os pés-de-pau floridos.
É
o passaporte da natureza úmida tropical. Isso quer dizer que nada que se mexa
nela pode prescindir da floresta em seu epicentro.
A
polêmica no mundo todo é sobre como se usar, ou se conservar ou se preservar,
sobretudo na agropecuária.
A pressão das “plantations” é por uma
agricultura de altos insumos, com derrubada da massa florestal e limpeza
completa do terreno, seguindo a compactação do solo pelas máquinas pesadas.
Mas, por diversos fatores climáticos,
edafológicos e da repercussão ecológica que ultrapassa os umbrais da região,
atingindo o mundo, há que se repensar fora dos padrões atuais do uso do solo.
Uma outra agricultura, uma outra maneira de ver.
Como fui formado no visgo do cacau, cujo
cultivo pode conviver com a floresta, num processo até de comensalismo,
visualizo uma agricultura que, depois de ler um artigo dos colegas Manoel
Tourinho, Manoel Moacir Macedo e Gutemberg Guerra (A Amazônia pede sombra),
denominei de AGRICULTURA UMBRÓFILA.
Quem
quiser plantar soja, milho, pastagem, café e mais e mais, vá para os cerrados,
cuja cultura, no amplo sentido, é outra. Aqui, é sob os pés-de-pau.
Eu
estou dizendo que vamos buscar novos métodos, novos enfoques de pesquisas e
virar a “biruta” para novos rumos.
O
mote é: A floresta em primeiro lugar, protagonista. Os cultivos que se adaptem
a ela.
Hão
de me perguntar? Como plantar debaixo da mata se a sombra vai impedir a
produção dos produtos agrícolas?
Realmente,
há necessidade de luz para a fotossíntese. Um raleamento, mantendo as espécies
nobres de pé já é um bom começo, como acontece com o cacau, referido
anteriormente.
Mas,
é preciso mais e aí está a ciência para cair em campo, pois até então segue uma
outra linha e jamais se pensou em criar variedades de milho, de arroz, de soja,
de banana, de mandioca etc. com alta capacidade de produzir sob pouca luz. A
própria natureza dispõe sob as árvores um extrato de plantas adaptadas a pouca
luz. Uma fonte de genes para se trabalhar e transmutar. Mãos à obra, pois.
Até
então, todo esforço da engenharia genética é para produzir plantas de alta
produtividade e/ou resistentes a patógenos. No caso presente, o enfoque seria a
baixa presença de luz e um sistema radicular que se interaja com o das árvores,
explorando ademais camadas de solos diferentes.
Só
assim, poderíamos desenvolver “combos agrícolas”, com diversos cultivos
implantadas sob a floresta, conservando a mata e produzindo alimentos para tantos
carentes da região.
E
dessa forma, a floresta seria mantida, os cultivos se vicejariam, o contexto
ecológico se autos sustentaria, a ciência daria um passo sociológico, até então
elitista, e a fome seria eficazmente combatida. (Maceió, AL,
02-02-2 024)
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