terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

CONTRADIÇÃO FLORESTAL

 

INTERAÇÃO SOLO-VEGETAÇÃO NOS TRÓPICOS ÚMIDOS E A CONTRADIÇÃO FLORESTAL,

Luiz Ferreira da Silva, 87

Engenheiro agrônomo, Pesquisador aposentado (CEPLAC/BA).

luizferreira1937@gmail.com


A floresta primária nos trópicos úmidos é exuberante, com produção em torno de 200 m3 de madeira comercial por hectare (árvores com diâmetro superior a 20 cm); constituída de diversos estratos de comunidades vegetais, a exemplo da mata que recobre os tabuleiros do Nordeste em sua faixa úmida costeira e os trópicos úmidos da Amazônia.

Trata-se de uma vegetação em estado de clímax (Sioli,1973), apresentando quatro componentes básicos (Poggioni, 1976), do ponto de vista funcional:

(a) Substâncias abióticas: componentes vivos do meio, como a água e os nutrientes;

(b) Produtores: organismos autotróficos que, no caso específico, são as árvores, arbustos e ervas;

(c) Consumidores: organismos heterotróficos; em sua maior proporção, animais que ingerem vegetais ou outros animais; e

(d) Decomposição ou micro consumidores: incluem-se bactérias, fungos etc., que agem na desintegração dos organismos mortos.

Conjuntamente, a vegetação e o solo constituem um sistema no qual cada um dos elementos, sejam eles orgânicos ou inorgânicos, afetam e são afetados uns pelos outros. Tais componentes fazem com que os nutrientes estejam em constante movimentação, indo de um para o outro, constituindo assim o ciclo de nutrientes que, por sua vez, pode ser dividido em duas formas, conforme Demattê, 1988):

(a) Ciclo geoquímico: inclui as formas de transferência de nutrientes para dentro ou para fora do sistema; e

(b) Ciclo biológico, ou interno, que corresponde à ciclagem interna dos nutrientes no sistema.

Dessa forma, o ciclo de nutrientes possui duas áreas de estocagem: a biomassa e os primeiros centímetros do solo.

Essa interação solo-vegetação é, pois, algo fantástico e até intrigante, constituindo na grande "contradição tropical": vegetação exuberante desenvolvida em solos pobres. Como é possível isso? Que mistérios existem no ecossistema tropical que fazem as plantas crescerem em solos ácidos e inférteis? E por que ainda não foram desenvolvidos sistemas de agricultura sustentável, assemelhados à floresta?

São indagações para fins de pesquisas. É fundamental conhecer como se processa a formação de uma floresta em solos Oxisols/Ultisols, estudando-se com detalhes, inclusive, o sistema de regeneração natural (desenvolvimento das capoeiras), a exemplo de trabalhos feitos por Silva (1990).

Em razão desses fatos e especulações, é fundamental se entender a associação das plantas no sistema florestal, no que diz respeito às interações fenológicas, sucessão vegetal, qualidade do "Iitter" e atividades das raízes nas camadas do solo, com vistas a subsidiar os sistemas agrícolas.

Tudo isso na intenção de maximizar a interação solo-cultivo, de modo a não deteriorar o complexo edáfico e manter o equilíbrio biológico-econômico. Em outras palavras, um indicativo seria associar espécies de valor econômico, com base nessa premissa de interrelação solo-planta, com características diferenciais quanto à:

(a)         Acumulação de matéria orgânica;

(b)         Riqueza nutricional do "Iitter";

(c)          Fenologia;

(d)         Exploração do solo em distintas camadas/horizontes;

(e)         Eficiência na reciclagem dos nutrientes: e

(f)           Especialização em solubilizar nutrientes.

 

Silva (1990) comparou uma floresta primária do ecossistema dos tabuleiros, no Sul da Bahia com urna capoeira oriunda, de doze anos de idade, no intuito de tentar entender certos mecanismos de formação e manutenção do sistema em relação ao ambiente tropical de solos pobres.

A estratificação da vegetação dá ideia da exuberância da floresta primária nos tabuleiros, cuja cobertura vegetal se assemelha à da Amazônia, com uma extraordinária diversidade biológica. Por outro lado, a capoeira se apresenta com uma comunidade vegetal muito rica, demonstrando a capacidade regenerativa da floresta, nas condições do estudo (áreas contíguas à mata).

Trata-se de uma cobertura vegetal com grande número de espécies "pioneiras", que desaparecem com o tempo, dando lugar as árvores definitivas, após cumprirem sua "missão", a de fornecer condições - preparar o "terreno" - para o desenvolvimento da futura floresta, assim se induz, sem o “certificado” científico.

Um exemplo que pode corroborar com essa provável assertiva, na qual cada planta ou grupo de plantas tem uma função no sistema florestal em "comum acordo" com o solo, diz respeito à emergência de uma espécie herbácea, denominada "bredo de veado", imediatamente após as queimadas, nos pontos de maior concentração de cinzas, onde o pH é elevado (em torno de 7,5), vegetando com exclusividade nesse ambiente alcalino. Ela cresce rapidamente e frutifica com abundância atingindo uma altura de 100 cm, com 6 meses de ciclo de vida, deixando uma considerável biomassa para o solo, sobretudo com elevado teor de potássio (5,10%; massa seca). conforme análises químicas feitas pelo autor.

A "missão" dessa planta seria - quem sabe? -  de reter o potássio das cinzas, evitando as perdas por lixiviação, fornecendo-o ao solo através da matéria orgânica oriunda da sua biomassa, propiciando condições para o desenvolvimento de espécies subsequentes. Este é um caso de função específica; outros são de interrelação nas comunidades vegetais e entre elas.

Por outro lado, na capoeira o crescimento das raízes finas (radicelas de até 2,0 mm), regeneradas no tempo de 7 meses é maior na capoeira, indicando maior dinamicidade nesse ambiente ecológico regenerativo, com influência na reciclagem dos nutrientes e na absorção de água, cuja. performance neste estágio florestal, evidencia a sua dinamicidade biológica, indicando um processo eficaz de reciclagem, no qual as espécies se associam e se interagem sequencialmente, como se existisse um tipo de comensalismo.

Ademais há um diferencial entre as espécies da mata e da capoeira, no que se refere aos nutrientes contidos em suas folhas, com tendência de maior quantitativo na área da capoeira. Seria uma maneira de enriquecer o solo para gáudio da floresta definitiva?

Em síntese, o sistema florestal com essa interação em seus estratos arbóreos, arbustivos e de cobertura (herbáceos), está a indicar o caminho a ser pesquisados sistemas de agricultura assemelhados, de modo a que se obtenha um equilíbrio solo-planta, mantendo-se as condições do complexo ecossistêmico.

 

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

 

01.. DEMATTÊ. J.L.I. 1988. Maneio de solos tropicais úmidos da região amazônica. Campinas. SP. Fundação     Cargill.215 p.    

02. POGGIANI, F. 1976. Ciclo de nutrientes e produtividade de floresta implantada. Silvicultura, São Paulo. 1(3):45-48.

03. SILVA. L.F. 199I. Manejo dos Recursos Naturais dos Trópicos Úmidos

e suas consequências. contradições e perspectivas de uso em agricultura sustentável. Revista Agrotrópica. Itabuna. BA. 3 (I): 15-11.

04. SIOLI, H. 1973. Ecologia da paisagem e agricultura regional na Amazônia. A Amazônia Brasileira em Foco, 8:18-27.

 

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