O CACAUEIRO, EM
MUDANÇA DE MALA E CUIA?.
Luiz Ferreira da Silva, 86
Pesquisador aposentado da CEPLAC.
Membro representante da AGRAL – Academia
Grapiúna de Letras.
(Roça de cacau
sob mata raleada no Sul da Bahia.
A
Natureza proporcionou ao Homem dos trópicos úmidos, uma árvore frutífera, o
cacaueiro, que pudesse ser utilizada sem causar danos ao seu ambiente
florestal.
Ao
facultar um produto nobre – o chocolate – adicionou características
fisiológicas inerentes ao complexo do seu habitat, quente, chuvoso e rico em
espécies consortes e fauna agregada.
Teria
que ser uma planta que reciclasse com eficiência, mantendo a capa orgânica do
solo, fator importante para alimentar as raízes finas, que tem a função de
arejar o solo, agregar as partículas e evitar as perdas de nutrientes. Enfim,
manter a vida do solo.
E
para tanto, sob a mata, recebendo pouca luz, forma um “túnel folear”, com as
copas se encontrando, evitando que a luz solar danifique o solo. A luz é para
as folhas fazerem a sua “química carboidrática” de transformação – fotossíntese,
para os puritanos.
A
Natureza ainda deu uma colher de chá. Aumentou a sua “plasticidade fisiológica”
– conviver em ambiente mais arejado, a exemplo de uma mata raleada – no limite
que ainda mantem o cacaueiro na sua missão fitogeográfica de equilibrar o
uso com a conservação.
Neste
contexto interativo, o cacaueiro usufrui da fauna, notadamente dos insetos
polinizadores, alimentados por frutas em decomposição, oriundos do andar de
cima, as árvores tropicais.
A
Natureza é sábia. Por um lado, criou o cacaueiro com o fenômeno da incompatibilidade sexuada, que se
manifesta quando o pólen de uma flor em uma planta não consegue fecundar os
óvulos das flores da mesma planta (autoincompatibilidade) ou de outras plantas
(Inter incompatibilidade). E até o cacaueiro “macho” ocorre, com raridade nas
plantações, com floração e não produtores de frutos.
Pelo outro, resolveu a questão no próprio
meio. Criou as mosquinhas chamadas “forcipomyas”, e não havendo polinização
adequada, a lavoura não produz satisfatoriamente.
Por essa razão, alertou ao Homem sobre
a importância delas, incumbindo-lhe de cuidar de seus criadouros, os seus
locais naturais, a exemplo das bromélias.
Chegou o cacaueiro no Sul da Bahia. Uma
floresta tal e qual a da sua origem, a Mata Atlântica. Encontrou, aí, condições
favoráveis de clima, solo, topografia e rede hídrica, razões da sua expansão,
chegando a ocupar 600 mil hectares, com a equivalência de uma fonte de divisas
de quase 1 bilhão de dólares em determinado ano.
Os pioneiros souberam mesclar a
lavoura com a floresta, sem macular o meio ambiente, satisfazendo com a
produção auferida, com elevada liquidez, mantendo preservado o ecossistema e proporcionando
um epicentro gerador de riquezas com o produto cacau, cujos reflexos se
irradiaram pelas áreas circunvizinhas, criando uma estrutura de bens e de
serviços que permitiu, com outras atividades agrícolas e congêneres, distribuir
benefícios para todas as comunidades, o que infelizmente não foram aproveitados
na magnitude dos bônus.
60 anos atrás, um cacauicultor com
pouco esforço, com seus 100 ha de cacau, sem usar maquinaria e tudo no lombo do
burro, gastando pouco, em sua área cabrocada, mesmo com uma produtividade não tão
expressiva, colhia 4 mil arrobas, que o tornava uma Homem, classe média-alta.
Com maior presença e bom solo, muitos chegavam a 6 mil arrobas, tornando-se
ricos.
Nessas circunstâncias, uma lavoura
nota 10. Produtiva e conservacionista.
Lembro-me quando os jovens agrônomos
aportaram na CEPLAC, em 1963/65. Tinham os olhos voltados às filhas dos
cacauicultores, identificando-as pelo quantitativo de arrobas que os pais
produziam.
Acontece que, agora, a visão do
agronegócio é puramente economicista. Esgotar os recursos naturais, lucrar,
enriquecer e não pensar alhures.
Ninguém, de boa-fé, é contrário ao uso
de tecnologias, mas que sejam no limite das alterações, sobretudo do solo e da
água.
A cacauicultora sul-baiana passa por
maus momentos, mas ainda pode ser importante ao país e sobretudo à Natureza.
Não precisa ser uma cabruca conforme apregoada, mas uma plantação sob uma
floresta mais aberta, com sol suficiente para impulsionar a produção.
Muito bem. Esse é o panorama do
cultivo do cacau que, a meu ver, tem que ser o epicentro da replantação e da
expansão de novas áreas, revitalizando o Sul da Bahia.
De
repente, o cacaueiro vira retirante. Emigra para os cerrados, um ambiente sem
qualquer identificação. Lembrei-me dos “paus-de-arara” nordestinos que viviam
no chão duro e quente das caatingas e tiveram que se adaptar ao frio do clima
de São Paulo, fazendo jus à Euclides da Cunha, em Os sertões – o sertanejo,
antes de tudo é um forte.
Tomara
que o Theobrona cacau, majestoso tropicalista, tenha essa rusticidade
adaptativa herdada pela mãe-Natureza!
Sim,
agora muito sol em sua folhagem, com possível queda prematura de folhas,
exigindo constante renovação com o lançamento de brotos tenros, delícias para
os insetos, exigindo altas dosagens de inseticidas, afetando os polinizadores.
Um
maior esforço radicular ante ao adensamento do solo pelas máquinas pesadas,
repercutindo na performance das radicelas e na dinâmica dos microrganismos.
A
irrigação custosa que, se não for bem conduzida, em solos que já apresentam adensamento
natural, provoca um sub horizonte de baixa difusão de oxigênio, limitando a
produção, como acontece em cafezais de Barreiras, sob pivô central, pelo
excesso de água e menor fluidez vertical.
E
as nossas queridas mosquinhas? O cacaueiro vai ter saudades.
No
entanto, o Homem economicista nem está aí para essas informações e nem tem
preocupação com o meio ambiente. O importante são os cifrões que substituem a
mina de seus olhos.
Foi
assim que assisti um vídeo (Cacauicultura 4.0 – A nova era) em que fala
da revolução da cacauicultora do Brasil nos cerrados, usando tecnologias de
ponta. Todos enaltecendo a produtividade e sem nenhuma menção ao ilustre
chegante, reverenciado pela sua postura conservacionista.
Logicamente,
ali estavam pessoas sem visgo com o cacau, que nunca foram picados pelos
carapanãs dos cacauais de Ouro Preto (RO) ou dos piuns das velhas plantações do
Vale do Jequitinhonha (BA). Nem Diretora da CEPLAC, diferentemente do meu
tempo, quando os dirigentes eram forjados na própria casa e em suas veias
corriam o mel do cacau, não havendo necessidade de “QI” político.
Mas,
no momento, não há dados para ser contra e nem ser a favor; coluna do meio,
pois. No entanto, pelo que se conhece, muitos problemas advirão. É preciso de
mais tempo e este será o senhor da razão.
Permita-me
um alerta, sem qualquer ilação: a agricultura não pode se basear em
aritmética, decidida na ponta do lápis, mas em dados agronômicos consistentes.
Um exemplo para aclarar essa questão. Em 1980, eu era Diretor do Centro de
Pesquisas do Cacau, quando a Ceplac implantou o projeto camarão, justamente sem
convicção técnica, mas acreditando num produtor de cacau que viajara ao Equador
e se entusiasmara com a carcinicultura. Na ponta do lápis fez diversos cálculos
e concluiu que os mangues de Camamu poderiam render mais dólares que o cacau,
enriquecendo a região. A CEPLAC embarcou nessa canoa furada e se naufragou,
afundando-se na lama dos caranguejos, literalmente.
Finalizando,
aconteça o que acontecer, a cacauicultora tropical-conservacionista
implantada pelos pioneiros do Sul da Bahia, bem como pelos colonos da Amazônia,
não pode ser relegada. Pelo contrário, urge um Programa Integrado de
recuperação da primeira, pari passo à expansão pelas terras de origem da
segunda.
(Maceió, AL, 11
de abril de 2023)